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terça-feira, outubro 8

UM CADÁVER NA COZINHA - CAPÍTULO 6


A VELHA RAPOSA

O caminho até a casa de Botelho era intrincado e de difícil acesso. Morava em um sítio afastado do centro da cidade. Durval tinha um mapa, mas mesmo assim sempre se perdia. Por sorte o dia estava firme; as ruas de terra ficavam intransitáveis quando chovia, e o Corcel vermelho 78 de Durval não tinha tração para sair de um atoleiro de lama como já tinha acontecido uma vez.
Durval sabia que o amigo professor de Biologia poderia lhe dizer se aquela mancha vermelha que tinha encontrado perto da poltrona era sangue mesmo ou não. Afinal seria uma forma de provar a si mesmo que não estava caduco como o delegado fizera parecer. Ele, sua mulher e a empregada Joana tinham encontrado um cadáver na cozinha da casa. Mas, como se isso não fosse surpreendente o bastante, o cadáver havia simplesmente desaparecido algumas horas depois.
Durval sabia que a porta da cozinha era fácil de abrir por fora e, enquanto esperavam pelo delegado, alguém poderia ter entrado e retirado o corpo. Por outro lado, por que o delegado tinha demorado tanto na cozinha se não tinha encontrado nada lá? E aquela gata branca que estava o tempo todo ao lado do corpo? Durval nunca a tinha visto por ali antes. Será que era da vizinha?
Durval estava se sentindo na ativa de novo. Adorava a sensação de investigar, e um caso de assassinato era o melhor que havia. Após anos de aposentadoria jogando Buraco com a mulher e Bocha com os tediosos amigos no bar da esquina, ele se sentia animado por estar envolvido em uma investigação de verdade.
Depois de algumas estradas de terra sem saída e vários retornos, Durval chegou finalmente à casa de Botelho. A entrada do sítio tinha um portão de madeira entalhado em arco. E, acima, havia uma placa onde se lia “Quinta da Neblina”. De fato, à noite, não se enxergava nada naquele lugar. Durval deu uma buzinada e o caseiro manco veio abrir o portão. Se fosse noite, pensaria que estava prestes a entrar no castelo do Doutor Franskenstein.
Botelho estava esperando sentado em uma cadeira de vime no terraço da casa. Ao ver o amigo, levantou-se e veio em sua direção. Era um homem alto e magro, com os cabelos brancos, meio amarelados, compridos e presos em um rabo de cavalo. Suas mãos eram grandes e ossudas e sempre chamavam a atenção de Durval quando o cumprimentava.
— Botelho! Há quanto tempo…
— Aqui não — interrompeu o professor de Biologia, e olhou para os lados. — Melhor conversarmos lá dentro.
O caseiro manco era de confiança, estava com Botelho há anos. Mas, Durval já conhecia bem as manias e paranóias de Botelho. O homem era mais precavido que uma raposa velha. Quando mencionou o cadáver por telefone, o amigo nem quis conversar mais, achando que os telefones poderiam estar grampeados. Durval tinha consciência que se havia um cadáver, havia também um assassino, e que o sujeito não ia gostar de saber que alguém estava investigando. Mas o professor exagerava na precaução.
Na sala da casa, Botelho fechou as janelas tomando o cuidado de não deixar nem uma fresta entre as cortinas.
— Onde está a amostra? — foi logo perguntando.
Durval tirou o plástico com o pedaço de tapete manchado de vermelho de dentro da mochila e entregou para Botelho.
— A mancha está seca. Dá para saber se é sangue? — perguntou Durval.
— Sangue é sangue, não importa se seco ou molhado. Vamos para o laboratório.


CONTINUA...


Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.

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segunda-feira, agosto 12

UM CADÁVER NA COZINHA - CAPÍTULO 4


O PRIMEIRO SUSPEITO

             Durval voltou para a sala e parou em pé perto da janela. Sabia que não estava louco. E se estava, então sua mulher e a empregada também estavam. Os três tinham visto o cadáver na cozinha. Mas agora não havia mais nada lá.
            — E então? — perguntou o delegado Moreira.
            — Não tem nada na cozinha — disse Durval sem prestar atenção ao que acabara de dizer.
             Durval não podia parar de pensar na imagem. O corpo estava de bruços. Havia uma poça de sangue em volta da cabeça. Estava usando calça jeans e camisa azul clara. Tinha cabelos escuros, quase pretos, os braços estavam desajeitados, para baixo ao longo do corpo, e as pernas esticadas. Ao lado, a gata lambia o sangue. Ele sabia que tinha visto.
             Dolores olhava para o marido com uma expressão de interrogação nos olhos.
            — Durval! Você está me assustando — disse Dolores. — Não pode ter sumido.
             Durval foi até o sofá e sentou-se ao lado da mulher. Ele não sabia o que fazer. Será que os três tinham ficado loucos naquela casa? Será que tinham respirado um gás alucinógeno que os fez ver um cadáver? Será que a gata tinha devorado o morto por inteiro? Moreira tinha sido o último a entrar na cozinha, poderia o delegado ter movido o corpo enquanto ficou lá dentro sozinho? Mas por que faria isso?
            — Eu olhei em tudo. Até no quintal nos fundos. Como pode ter sumido? — disse Durval.
            — Durval, hoje é quarta-feira, dia de revisão de inquérito. Estamos atolados lá na DP. Isso é alguma das suas brincadeiras? — disse o delegado.
            — Mas nós vimos o corpo! Até Joana viu! — disse Dolores quase chorando.
             Moreira não entendia o que diabos estava acontecendo com os dois velhos. Levantou-se e foi até a porta da sala. Abriu e chamou Joana.
             A empregada apontou na porta, olhando assustada para o casal no sofá. Ficou parada na entrada como se estivesse com medo de entrar na casa.
            — O que você viu na cozinha, Joana? — perguntou o delegado.
            — Tinha um homem morto, seu Moreira! Com sangue.
            — Então alguém tirou o corpo de lá ou o morto saiu andando. Não sei o que está acontecendo aqui, mas vou abrir um boletim de ocorrência. Vocês terão que vir até a delegacia.
             Joana olhou para Durval, implorando ajuda. O que era para responder para o delegado? Tinha visto ou não o morto? Nessa altura parecia já não saber mais.
            — Ou, o mais provável aqui — continuou o delgado — A Joana imaginou coisas mais uma vez e você quis me pregar uma peça.
             Durval levantou-se e foi até os dois na entrada da sala.
            — Moreira, me desculpe. Foi isso mesmo que aconteceu.
             Moreira ficou calado por um instante, sem acreditar, então olhou para Joana que abaixou o rosto.
            — Não leve a mal. Foi uma ideia estúpida. A culpa foi minha — disse Durval sorrindo sem jeito.
            — Eu devia levar vocês três presos — disse o delgado.
             Dolores parecia querer dizer alguma coisa, mas engoliu em seco.
             Moreira saiu pela porta da frente, visivelmente irritado.
             O sorriso de Durval sumiu aos poucos enquanto esperou o delegado afastar-se, fechou a porta e caminhou até perto da poltrona onde Moreira tinha se sentado. Olhou para Dolores que o encarou sem entender. Ela ameaçou dizer algo, mas Durval fez um sinal para que ficasse quieta. Sem dizer nada, abaixou-se com dificuldade. Primeiro uma perna, depois a outra. Colocou as duas mãos no chão e flexionou os braços aproximando o rosto do tapete azul.
              Bem na frente da poltrona onde o delegado havia se sentado, havia uma marca vermelha no tapete. Uma pegada de sangue.


CONTINUA...


Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.

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