A EVIDÊNCIA DO CRIME
O cadáver havia sumido. Uma hora estava estirado na
cozinha da casa de Durval e Dolores, com o sangue formando uma poça circular ao
redor da cabeça, como uma auréola. E na outra hora não estava mais lá. Nem
vestígios do morto. Nem sangue. Nem nada.
— Será possível que o gato comeu? — disse Joana.
— É uma gata — disse Dolores.
Durval olhava para a mancha escura de sangue no
tapete da sala. Sem desviar o olhar disse:
— Não sejam bobas! Um gato não come uma pessoa.
Joana pensou por um momento.
— Uma vez me contaram que um cachorro comeu uma
criança!
Dolores tremeu e soltou um gemido de pavor.
Durval estava pensativo com a mão no queixo.
— O Moreira foi o único que entrou na cozinha depois
que vimos o morto. Mas por que ele iria remover o corpo? E para onde teria
levado?
— Eu achei que ele ia levar todos nós presos — disse
Joana.
— Ele não faria isso, o Durval o conhece há mais de
vinte anos.
— Não tenha tanta certeza, Dodô. Se foi ele quem
tirou o corpo de lá, não podemos confiar nele.
Dolores levantou-se do sofá e foi vacilante até o
início do corredor. Parecia que, por algum estranho fenômeno da Física, o
corredor tinha ficado bem mais comprido até a cozinha. Ela olhou para Joana e a
chamou com a mão.
As duas foram caminhando pelo corredor na direção da
cozinha.
— Durval, você tem certeza que não está lá? –
perguntou Dolores.
— Já disse, não tem nada na cozinha.
Durval pensava em uma maneira de analisar aquela
mancha de sangue. Como poderia determinar se era sangue mesmo? Levantou-se e
foi até a escrivaninha. Abriu a gaveta e pegou seu canivete. Voltou a
abaixar-se na frente da mancha e, com cuidado, cortou o tapete em volta dela.
Depois foi até a cozinha.
Dolores estava em pé encostada na pia. Olhava
estática para o lugar onde havia estado o corpo. Joana estava inquieta perto da
porta de saída para o quintal, parecia que a empregada queria fugir para longe.
Durval foi até a mulher e a abraçou.
— Não fique assustada. Já não tem mais nada aqui.
— Mas pode estar em qualquer lugar, Durval — olhou ao
redor — E se estiver dentro da geladeira?
Durval riu. Foi até a geladeira e a abriu.
— Viu? Nada.
Dolores estava séria.
— Pode estar
no quintal lá atrás. Na garagem! Ai, meu santo. E se estiver lá em cima no
nosso quarto?
— Não tem nada na casa, mulher. Por alguma razão,
alguém tirou o corpo daqui e o levou embora. Preciso de um plástico para
guardar isto — mostrou o pedaço de tapete com a mancha vermelha.
Joana pegou um saco plástico transparente no armário
e deu para Durval.
Era a única evidência do crime. Durval guardou o
pedaço de tapete no plástico com cuidado. Ele precisava resolver aquele
mistério. Não era só porque o amigo delegado ia pensar que ele estava gagá.
Durval, há muito não se importava com o que os outros pensavam a seu respeito.
Mas havia mais em jogo ali. A ordem das coisas. Um morto não podia entrar em
sua cozinha e sair sem dar explicações. Ele acharia o cadáver e resolveria o
mistério.
Uma investigação de assassinato teria início.
CONTINUA...
Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.
Acompanhe Histórias do Outro Mundo no Facebook: