UM CASO DE POLÍCIA
Dona Dolores
desmaiou quando viu o cadáver estirado bem no meio de sua cozinha. O choque de
ver um homem morto com uma poça de sangue ao redor tinha sido demais para a
senhora de quase oitenta anos. Durval carregou a mulher de volta ao sofá da
sala e esfregava suas mãos, tentando acordá-la do choque.
Aos poucos
Dolores foi recobrando a consciência. Estava grogue.
– Durval! A gata, a gata, não deixe a gata lamber o sangue!
– Calma,
Dodô – falou carinhoso e esfregou com mais força as mãos da mulher.
Dolores
abriu os olhos e começou a chorar agarrando-se ao ombro do marido. Evitava olhar
na direção da cozinha.
– Vou pegar
um copo de água com açúcar para você. Cadê a Joana que sumiu?!
– Você vai
voltar lá na cozinha?
– Não seja
boba, mulher. É só um corpo.
– Vou esperar
lá fora com a Joana.
Dolores
tentou levantar-se, mas não teve equilíbrio e desmontou de novo no sofá como um
pedaço de carne no balcão do açougue. É verdade que o casal já tinha enfrentado
situações piores que essa. Ao longo dos cinquenta anos de casados passaram até por um
acidente de trem durante a segunda lua de mel. Mas aquilo já fazia tempo e
Dolores não era mais a mesma. A mulher simplesmente não aguentava emoções
fortes. Não se dispunha nem a assistir filmes muito tensos. Se tivesse morte
então, nem se fala. A única emoção que se permitia era o jogo de buraco com o marido
e às vezes com algumas amigas que vinham às quartas-feiras à tarde.
– Fique aqui
sentada que já volto com a água.
Durval foi
andando rápido pelo corredor. Dolores pôde ver o marido entrar na cozinha e
sair em seguida com o copo de água.
– Ele ainda
está lá? O... corpo?
– Claro que
está. Para onde iria?
– Espantou a
gata? Ela estava lambendo o sangue.
– Bebe a
água. Esqueci de por o açúcar – ele cogitou por um momento voltar na cozinha
para pegar o açúcar, mas desistiu – Vou ligar para o Moreira.
Foi até a
escrivaninha que ficava encostada na parede da sala, na frente de uma grande
janela envidraçada e pegou o telefone. Dolores estava com o copo na mão olhando
para o corredor que dava na cozinha. Com os olhos arregalados, bebericou um
gole de água.
– O delegado
Moreira, por favor. Sim. Aqui é o Durval.
Dolores e
Durval se entreolharam. Sabiam que a situação era grave, não era todo dia que
dois velhinhos de uma cidade pequena do interior encontravam um cadáver na
cozinha de casa.
– Moreira!
Aqui é o Durval – fez uma pausa e continuou – sim, sim, mas não é sobre isso
que liguei. Nem sei por onde começar – passou a mão pelos poucos cabelos
brancos que ainda lhe restavam na cabeça e esfregou a testa tentando elaborar a
situação. Então disparou: É que tem um homem morto na nossa cozinha. Acho
melhor você vir para cá.
Durval
desligou o telefone e olhou para a mulher.
– Quer o
açúcar?
CONTINUA...
Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.
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