ÁGUA
RÉGIA
—
Como podem ver, o rosto está desfigurado — disse o legista apontando para o
cadáver estirado na mesa de aço.
Durval mantinha a cabeça virada o mais
que podia para o outro lado, mas os olhos estavam vidrados no morto.
— O assassino usou um tipo de ácido
para que não pudéssemos fazer a identificação da vítima. Ainda não consegui
determinar a substância, mas desconfio que foi uma mistura de ácido nítrico e
clorídrico concentrados.
— Água Régia — disse Botelho.
— Sim — concordou o legista. — Olhem a
coloração alaranjada no osso do maxilar acima das gengivas. — Ele abriu a boca
do morto.
Durval tentou não olhar, mas olhou. Era
horrível. A pele estava toda inchada e translúcida.
— Não dá para identificar pelos dentes?
— Perguntou Botelho.
— Nesse caso, não. A polícia não tem
praticamente nenhuma pista de quem seria a vítima, então fica difícil
selecionar possíveis radiografias prévias.
— Mas esperem! Esperem aí! — Gritou
Durval.
— Como sabem que este morto é o mesmo
que apareceu na minha cozinha há seis dias? — Durval encheu o peito de ar e,
virando-se para Botelho, continuou: — E como você sabia que o morto estava
dentro de um caixão de metal naquele rio? E como tirou o caixão de lá?
— Calma, meu velho. O que aconteceu foi
que o Rogério…
— Quem diabos é Rogério?
O legista levantou o dedo.
Durval bufou e arregalou os olhos para
Botelho querendo que ele continuasse de uma vez. Botelho recomeçou.
— Dias depois que você foi até a minha
casa e contou que o cadáver havia desaparecido da sua cozinha, o Rogério me
disse que um dos caixões aqui do necrotério havia sumido. Nesse meio tempo
descobri que uma equipe de filmagem está produzindo um filme aqui em Santa
Maria.
— E o que isso tem a ver com todo o
resto?
— Acontece que o ator principal deles
está desaparecido há quase uma semana. O último lugar que filmaram foi naquela
ponte que te levei. Foi lá que encontrei o caixão boiando na água e o trouxe
para a margem. Sua faca estava dentro do caixão com o cadáver.
— Minha faca?
— Sim, a faca com cabo de madeira
entalhada. Por isso te levei lá. Pois achei que você era o assassino e queria
confrontar você. Mas logo descobri que estava enganado. Aquela faca não era a
sua. Descobri isso quando achei sua faca na minha casa. Você a esqueceu comigo
durante a pescaria.
— Eu sei bem disso!
— O tempo todo o verdadeiro assassino
tentou esconder qualquer traço de pista que levasse a investigação até ele.
— Mas, ele não contava com isto aqui —
interrompeu o legista e apontou para a perna do cadáver.
Durval imaginou que se trataria de uma
tatuagem ou algo assim, mas, com exceção de estar inchada e com aquela
aparência translúcida de gelatina, a perna do morto não parecia ter nada de
anormal.
Durval olhou para o legista esperando uma explicação. O homem esboçou um leve sorriso e, com o nó dos dedos, deu três batidas na perna do defunto. Um som firme e metálico encheu o ar.
Durval olhou para o legista esperando uma explicação. O homem esboçou um leve sorriso e, com o nó dos dedos, deu três batidas na perna do defunto. Um som firme e metálico encheu o ar.
CONTINUA...
Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.
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