terça-feira, julho 31

UM CADÁVER NA COZINHA - CAPÍTULO 29


UM PÁSSARO INCONVENIENTE

Durval acompanhou Heitor do portão até a entrada da casa. O quintal era obsessivamente arrumado. Cada pedra que formava o caminho até a casa parecia ter sido milimetricamente posicionada. As folhas dos arbustos baixos podadas com precisão pareciam formar capacetes de soldados em volta dos troncos, e os vários medronheiros estavam dispostos como um pelotão pronto para a batalha. A parte de baixo dos troncos era pintada de branco, e a grama do quintal, muito bem aparada, ia só até uns trinta centímetros do pé da planta. Um círculo perfeito de terra preta era separado da grama por pequenas pedras, tão limpas que Durval imaginou Heitor esfregando-as com uma escova de dentes. O muro atrás dos arbustos era coberto por heras de folhagem escura.
               Ao subir o degrau da varanda Durval quase caiu com bengala e tudo ao se assustar com o que pensou ser um tiro de espingarda. Achou que iria ao chão, alvejado de bala, mas Heitor foi rápido e segurou-o pela blusa de lã que esticou e quase rasgou.
              — É só a Dorotéia — disse Heitor.
               A cacatua branca estava empoleirada na varanda bem acima da cabeça de Durval. Parecendo um labirinto, uma série de poleiros e escadinhas de madeira pintadas de vermelho e amarelo ladeava toda a volta do teto. O pássaro parecia não ter gostado de Durval. Balançava a cabeça com as penas eriçadas e fazia um barulho de gargarejo irritante e estridente.
               Heitor pegou um borrifador e jogou água no pássaro.
              — No calor ela gosta — explicou.
               A cacatua abriu as asas e deleitou-se com os borrifos.
              — Tem vitamina diluída na água para as penas.
               Heitor fez carinho na barriga do pássaro, mas ele tentou bicar sua mão.
              — Não gosta de estranhos. Fica arisca.
               Durval deu uma risadinha sem jeito. Sua vontade era dar um safanão no pássaro antipático. Mas precisava manter a cordialidade com seu anfitrião se queria ver a tal fotografia na qual Botelho aparece ao lado de um homem com chifres.
               Heitor abriu a porta da casa e entrou. Durval ainda deu uma última olhadela para a cacatua que olhou de volta com a cabeça de lado, usando apenas um olho.
               Foi só entrar na casa e avistou outro bicho branco. Refestelada no braço do sofá, a gata que vivia entrando em sua casa. Soltou um miado assim que os dois entraram.
              — Essa gata é sua? — Perguntou Durval.
              — Não é gata. É macho. É da Mel. Ela tem oito.
              — Oito gatos?
               Durval aproximou-se do bichano tentando decidir se era o mesmo que havia visto no dia em que ele e Dolores encontraram o cadáver na cozinha de casa. Sua esposa sempre se referia ao animal como gata. Mas bem poderia ser um gato.
               Heitor abriu uma gaveta da pequena escrivaninha e tirou um álbum de fotografias com a capa preta.
              — Senta.
               Durval obedeceu e sentou-se ao lado do gato.
               Heitor ficou em pé na sua frente virando as páginas do álbum. Na capa se lia em letras douradas: “Academia Militar de Infantaria do Terceiro Regimento de Engenharia de Combate".
              — Aí está! — Estendeu-lhe o álbum aberto.



CONTINUA...


Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.

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