sábado, março 24

UM CADÁVER NA COZINHA - CAPÍTULO 28


NADA DE FOFOCA

Durval olhou para o relógio uma última vez antes de tocar a campainha da casa número 72 da Rua Bela Vista em Santa Tereza. Nove horas em ponto. Não queria parecer inconveniente chamando o vizinho Heitor antes dele estar minimamente acordado pela manhã. Sabia que o sujeito não era de dormir até tarde, mesmo aposentado costumava acordar cedo para jogar bocha no bar do Adelino. Sempre que Durval passava na frente do bar a caminho da banca de jornais, via Heitor e a trupe de aposentados galhofando dentro das canchas de madeira encerada ou então discutindo ruidosamente por causa da distância entre as bolas que ia conferir um ponto a mais ou a menos para uma das equipes.
              Alguém, dentro da casa, espiou pela janela por uma fresta na cortina. Durval acenou erguendo o braço no ar. A fresta fechou.
              Depois de algum tempo a porta da casa abriu e Heitor saiu. Grunhiu alguma coisa e veio empinado até o portão.
             — Heitor! Heitor! Como vai você, meu velho? — Saudou Durval.
              Heitor manteve o cenho franzido e olhou Durval como se avaliasse um inseto sobre o qual deveria decidir se matava ou apenas espantava da frente.
             — Ei, eu queria conversar com você sobre uma coisa.
              Durval ainda esperou um segundo logo depois de terminar a frase para se certificar de que o homem não ia mesmo responder-lhe. Continuou:
             — A Dolores esteve com a Melinda… A Melinda, sua esposa. E as duas conversaram… sobre o Botelho…
              Heitor grunhiu uma concordância. Durval teve até vontade de sorrir, uma grasnada daquele homem já era algo para se comemorar.
             — Então, você vê que coisa — continuou Durval. — Eu queria saber se posso ver a fotografia, a que vocês têm do Botelho. Fiquei intrigado com aquilo, sabe? Então pensei se você poderia…
             — Olha aqui, Durval! — Retumbou o homem. — Eu não sou de fofocaiada. Você sabe que eu não sou.
             — Sei, claro! — Durval fez uma expressão severa para atestar que o sujeito era pessoa decente e aprumada.
             — Nós só chamamos a Dolores aqui porque a Melinda se preocupa com ela. Eu nem queria que a Mel se metesse nisso! Mas temos visto coisas que… Você sabe…
             — Eu sei? Não sei se sei, não?
             — Ora, vá! Toda essa conversa de defunto para lá, defunto para cá, e defunto que some, e defunto que aparece. E vocês metidos com esse tipo. Esse cara não é direito, Durval!
              Durval balançou a cabeça concordando.
             — Conheço esse fulano há tempo. Desde que cumpri ordem como milico. Ele não é flor que se cheire, te falo.
             — Então, eu queria ver a foto. Será que posso ver?
              Heitor olhou para Durval de novo daquele jeito que parecia que olhava do alto de um púlpito de dois metros de altura. Nariz eminente, quase como uma divindade que poderia decidir entre céu e inferno para uma pobre alma penada.
              Por fim, abriu o portão e se pôs de volta a casa. Durval foi atrás. Precisava ver a tal fotografia na qual Botelho aparece ao lado de um homem com chifres.



CONTINUA...


Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.

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