segunda-feira, maio 15

UM CADÁVER NA COZINHA - CAPÍTULO 24


TITÂNIO

— Olha isso... olha isso! — Repetia o legista, enquanto dissecava a perna do defunto.
          Durval e Botelho olhavam fixamente para o trabalho do médico que realizava movimentos rápidos e precisos com o bisturi, o sujeito parecia saber bem o que fazia. Durval mantinha o rosto contraído levemente virado para o outro lado, como se, de repente, alguma coisa, sangue talvez, fosse espirrar nele. Os braços cruzados na frente do corpo pareciam dizer que não estava nada confortável assim tão perto de um cadáver sendo dissecado. Botelho aparentava estar bastante interessado. Uma das mãos no queixo, a outra no bolso do casaco, o corpo alto e magro curvado sobre a mesa para poder ver com clareza.
          Rogério, o legista, cortava a perna do morto desde a altura do quadril até perto do joelho. Aos poucos uma peça de metal foi surgindo do meio da carne branca como cera de vela. A parte de cima tinha uma esfera e encaixava-se perfeitamente no osso do quadril. A de baixo estava tão integrada no final do osso da coxa que parecia coisa de "O Exterminador do Futuro 2", em que o metal se transformava em partes do corpo do andróide.
         — Parece até um ciborgue — Durval ousou comentar.
          Nenhum dos dois respondeu.
         — É platina? — Perguntou Botelho.
         — Titânio! — Disse o legista. — É forte, bem leve e praticamente não apresenta rejeição no organismo — ele passou a ponta dos dedos no encaixe entre o metal e o osso. — Um trabalho de primeira, realmente, de primeira.
         — Quer dizer que a vítima tinha uma prótese de titânio — disse Durval.
         — Praticamente todo o fêmur — completou o legista.
         — Isso é realmente uma excelente pista — disse Durval e olhou para Botelho que continuava com a mão no queixo.
          — Que tipo de acidente iria requerer uma prótese desse tipo? — Perguntou Durval.
          — Para ter havido a destruição quase completa do fêmur, certamente não foi um tropeço no degrau da escada — disse o legista em meio a um sorriso.
          — Pode ter sido uma doença?
          —  Pode. A osteonecrose afeta o fêmur. Poderia ser o caso. Mas se eu tivesse que apostar diria que este é um caso de traumatismo.
          Durval voltou-se para Botelho:
         — Você disse que o ator principal do filme que estão gravando aqui na cidade está desaparecido.
          Botelho assentiu.
          Estava decidida a linha de ação da investigação. Durval tinha que conversar com esse pessoal da filmagem. Olhou o relógio: quinze para a meia noite. E Dolores? Precisava voltar para casa e ver se sua mulher já tinha voltado. Sentiu um calafrio quando imaginou que ela poderia estar desaparecida ainda. Exatamente como o tal ator do filme.
         — Preciso ir — disse para Botelho.
         — Claro. Te levo em casa.
          No caminho até a casa, na camionete de Botelho, Durval não conseguia parar de pensar em Dolores e no que faria se ela ainda não tivesse chegado. Teria de ir à polícia. Seria possível que Botelho tivesse sequestrado Dolores e que ela estivesse presa em algum lugar? Durval não sabia se sentia culpa por desconfiar do amigo ou medo por estar sentado ao lado do possível assassino.
          Exatamente à meia noite eles chegaram na casa.


CONTINUA...


Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.

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