quinta-feira, abril 30

UM CADÁVER NA COZINHA - CAPÍTULO 13


A AMEAÇA

  “Se não quiser morrer pare de se meter onde não é da sua conta” — era tudo o que havia na carta. Escrita com letras recortadas de jornal e coladas desalinhadas no papel-sulfite.
  Antes do delegado Moreira chegar, Dolores começara a passar mal ao ler a mensagem. Durval pensou por que não aprendia a poupar a mulher desses desagrados, não devia tê-la deixado ler. Dolores tinha o coração fraco. Agora, estava esbaforida no sofá, tombada de lado na almofada, a respiração ofegante, uma das mãos no peito, e Durval a esfregar a outra a fim de acalmar a mulher.
  O delegado caminhava de um lado para o outro pela sala com a cabeça baixa, pensativo, enquanto um perito em criminalística colocava a carta e o envelope em um saco plástico com as mãos enluvadas.
  — Não precisa tripudiar — disse o delegado. — Você estava certo.
  Durval permaneceu calado. Já era suficiente que Moreira admitisse que ele não estava caduco ou alucinando. Ficou até aliviado, por um momento tinha duvidado da própria sanidade. Dizem que o louco não sabe que é louco.
  — O que vamos fazer?
  — Você não vai fazer nada — respondeu o delegado. — Vou colocar uma viatura na frente da sua casa vinte e quatro horas por dia.
  — Não quero ficar preso na minha própria casa! — retrucou Durval com a voz áspera como se estivesse prestes a pigarrear.
  — É para sua segurança, e de Dolores. Se precisar sair, um policial vai acompanhar.
  Durval bufou e voltou a esfregar a mão de Dolores que gemia baixinho.
  — Você tem alguma ideia de quem pode ter enviado a carta?
  Durval pensou por um momento. Não pretendia colocar o amigo Botelho em uma situação delicada com a polícia. A única pista contra o amigo era que ele tinha uma camioneta F1000, igual à do assassino. Melhor não falar de Botelho para o delegado. Ia investigar isso por conta própria.
  Durval balançou a cabeça sem olhar para Moreira.
  — Se lembrar de alguém me ligue. Vamos analisar a carta e manter vigilância — o delegado foi até a porta. — Cuide-se, meu velho — disse por fim, e saiu.
  Durval viu que Dolores havia dormido. Ajeitou a almofada do sofá embaixo da cabeça dela e, com cuidado, levantou-se. Ficou um tempo em pé sem se mover, pensando. Tentando juntar as peças do quebra cabeça. Já fazia dias que haviam visto o cadáver na cozinha e até agora nenhum morto fora encontrado na cidade. Já devia estar se decompondo a essa hora. Quem quer que fosse o assassino havia sido esperto, o safado. Sem corpo de delito não havia crime.
  Foi então que Durval ouviu. Joana estava cochichando na cozinha. Ele foi até a entrada do corredor, devia ter uns sete metros de comprimento, mas dava para ouvir o sussurro vindo lá da frente.
  Durval começou a caminhar devagar, mancando da perna engessada e segurando-se na parede, procurou não fazer barulho. À medida que aproximava-se da entrada da cozinha, o som ficava mais claro, mas ainda não era possível entender as palavras. Por um momento, achou que estava paranoico por desconfiar da própria empregada que conheciam há trinta anos. No momento em que o som ficava mais claro e já começava a entender as palavras, esbarrou num dos quadros do corredor e Joana parou imediatamente de falar.
  Durval ficou imóvel. Então percebeu que alguém estava vindo em sua direção por trás.


CONTINUA...


Um Cadáver na Cozinha é um folhetim escrito por José Gaspar e publicado na coluna "Histórias de Mistério" do jornal The Brazilians em Nova York.

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