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Esconda a árvore de Natal, rápido.
Era uma árvore pequena, devia medir uns
trinta centímetros. Enfiei-a numa das gavetas da estante e voltei correndo para
o sofá. Meu pai estava atrapalhado escondendo os presentes. Tentava empurrar os
embrulhos para debaixo do sofá. Ajudei com o calcanhar enquanto fitava a porta
da sala que se abria junto com uma lufada de vento.
Minha mãe entrou tremendo de frio e
soltou um suspiro.
– Parece que está nevando mais a cada ano
nesse lugar.
Sacudiu o casaco e pendurou no cabide
perto da porta, deixou sua vassoura encostada na parede ao lado das outras e
olhou para nós.
– Tudo bem? – Perguntou desconfiada.
– Tudo ótimo, amor – disse meu pai se
levantando e indo de encontro a ela.
Eles se abraçaram. Mas ela já sabia. Não
era a primeira vez que meu pai tentava convencê-la a comemorarmos o Natal.
Ela se afastou e disse carinhosamente:
– Não.
– É só uma árvore – insistiu meu pai.
– Não é "só uma arvore" – disse
ela, imitando o tom pedinte do meu pai. – Você sabe bem o que isso representa.
– Mas já faz mais de trezentos anos. Você
não vai esquecer nunca?
Minha mãe ergueu a manga da blusa e
mostrou a cicatriz enorme no braço. Meu pai ficou sério. Virou o rosto e se afastou
dela na direção do balcão da cozinha. Eu já sabia o que estava por vir. Todo
Natal era a mesma coisa.
– Quer ver as outras? – Ela perguntou
cinicamente.
– Eu também tenho essas marcas, você sabe
– retrucou meu pai.
Subi para o meu quarto. A discussão ia
durar horas. Não que eu gostasse de árvores de Natal. São legais e tudo, mas
não tenho nenhum apreço especial por elas, meu pai que é obcecado. Gosto só dos
presentes. Sei que não tem essa de Papai Noel que desce por chaminés e bobagens
do tipo. Aliás, o tal Noel vem de São Nicolau que era um bispo cristão. Então não
tenho nenhuma simpatia pelo cara.
Quem comprou os presentes foi meu pai.
Ele me mostrou os embrulhos logo que chegou em casa. Não sei o que tem dentro
das caixas. Mas sou bom em deduções. Meu pai dá pistas e eu sempre acabo
adivinhando.
Todos os anos, não foram tantos assim na
verdade, meu pai e eu trocamos presentes escondidos da minha mãe. No ano
passado eu dei uma pata de gato descarnada para ele. Pode usar como chaveiro ou
pingente. Ele me deu uma foice pequena com cabo revestido de couro de lagarto.
As cicatrizes que eles falaram são de
queimaduras. Os dois foram queimados vivos numa fogueira em 1682 acusados pela
inquisição francesa no famoso Caso dos Venenos que arrasou a corte de Luís XIV.
Vários nobres envolvidos, uma loucura, até a amante do rei, Madame Montespan,
quase foi parar na fogueira também. Depois do tumulto, meus pais mudaram de
nome e saíram da França.
Hoje, moramos num bairro bem legal de
Londres. Minha mãe trabalha na prefeitura e meu pai continua buscando pela
Pedra no laboratório do porão. Temos o Elixir, muita gente tem, mas não temos a
Pedra. Então, como você deve ter adivinhado, não somos ricos. Eu estudo no
quinto ano em uma escola perto de casa.
Ah, esqueci de me apresentar. Meu nome é
Michel Filastre, tenho onze anos e sou um garoto normal, para um filho de
bruxos, claro.
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